mosca

 Sentia cada um dos ossos nos azulejos de cozinha, onde esteve deitado nu pelas ultimas duas horas, procurando em si o resto de coragem para por fim em tudo aquilo. Com uma caneta piloto preta, escreveu nas paredes o que acreditava que seriam seus últimos pensamentos. “Vi, vivi e falhei. Entro na vida como homem e saio como inseto”.Pois o cano do revolver na boca, sentiu o gosto do ferro entre os dentes e o gatilho formigando o dedo e, de repente, desistiu. Se sentindo ainda pior do que antes, tomava pílulas de calmante com vinhos e lagrimas, até deitar no sofá e dormir.
  Poucas horas depois, o coquetel fez seu coração parar de bater aos poucos, sem alardes, sem surpresas. O corpo seria encontrado horas mais tarde, mas, antes disso, já teria sido reconhecido. Minutos depois de morrer, larvas de moscas eclodiram na sua barba de meses. E passado um tempo, ele abriu os olhos.
 Olhos, milhares de olhos. Podia ver em todos os ângulos, lados, mas, não entendia. Caminhou um pouco e viu seu reflexo: uma mosca. Olhou para si e viu que tinha asas. Voou e descobriu que o lugar onde se viu eram seus olhos abertos, e que estava morto. Mas, essa descoberta não era nada para quem sentiu a liberdade de voar, se tornar rei dos ares. Até ver outros milhares de irmãos saindo de seus ovos e abrindo asas. O que importava ser voador e diferente, se todos eram iguais?
  Ainda com cabeça humana, a mosca resolveu se juntar aos outros para tentar descobrir como ela deveria agir e ser. Foi aceita em um grupo e foram todas para a cozinha, garantir sua sobrevivência. Teria que se alimentar da lixeira, mas, não foi nada estranho para ele: viveu cercado de lixo em toda a sua outra vida, alimentar-se do podre do ser humano parecia apropriado, uma fonte infinita de sustento.
 Distanciando-se daquelas moscas tão normais, viu na parede suas ultimas palavras e riu da sua ironia. Olhou para os lados e viu outras moscas, rindo igualmente. Entendeu que todos pensam igualmente o quanto são diferentes.
 As horas passavam e ele, a mosca, vagava pela casa. Havia entendido que a força das palavras escritas eram perfeitas pra como viveu. Foi tão útil para os outros como uma mosca. E ao ver policiais entrando, voou perto deles, sem pensar: talvez descobrissem que a mosca era o homem que ali estava morto, e pudessem fazê-lo viver pela primeira vez. O policial ao vê-lo matou-o com as mãos, ainda no ar. E em seu coração de mosca, o alívio. Tinha enfim, morrido com palmas.

Sim, foi inspirado em Franz Kafka. Não, eu nunca li Franz Kafka.

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